Total Pageviews

Contos de Amor

FRED, O TUTU

Sou amante da natureza tal qual ela foi concebida. Por isso sempre tive comigo a máxima de que lugar de pássaro é no céu, voando. Adoro animais, todos eles, principalmente os mamíferos. Respeito a todos, porque tal qual os humanos, os animais merecem todo o respeito do mundo.
Certa vez tentei ter um cachorrinho. Ele era fruto da cria de uma cachorra de raça pura, que vivia no armazém do meu avô. Escolhi o mais gorducho e brincalhão. Ele rolava no chão feito uma bola. Era o filhote mais fofo que eu já tinha visto. Depois de dias atormentando a minha mãe, consegui convencê-la de que seria bom ter um cachorro em casa. Que maravilha!! Ela deixou bem claro que era para eu educar o cachorro e me responsabilizar pela sujeira dele também. Ótimo!!! Pensei que ele fosse fazer sujeira comum. Ele era tão divertido que o imaginei contando as patinhas do seu tempo para dividir seus dias de cão comigo. Melhor explicando, dias de cão pra ele e de pessoa pra mim..rs.
Levei o gordão pra casa, tão lindo, tão fofo. Adorava apertar as almofadinhas da sua patinha, e como adorava. Parecia uma criança descobrindo a função de apertar botões, só que no meu caso, o botão era a parte fofa da patinha do cachorro...rs.
Montei um cantinho todo especial para o gordão. Junto às paredes da minha casa tinha um quartinho em que guardava brinquedos, livros e outras utilidades. Deixei o cantinho do gordo um verdadeiro mimo. Apresentei a ele seu novo lar e fui me preparar para ir à aula. Vocês devem estar pensando: será que gordão seria o nome do cachorro ou teria ele um nome próprio de cão?? Logo vocês saberão. É que não deu nem tempo de dar ao gordão um nome de cão.
Enquanto me arrumava, após o banho, me distraí ao escolher um nome adequado ao futuro guarda da casa. De repente, o rosado da pele do rosto da minha mãe estava pink e pela cara dela, o gordão não tinha feito um agrado, como era de se esperar. Ele teve um acesso sabe-se lá de quê, e imaginou em sua mente serelepe de quadrúpede que ele era um pintor. Não que ele tivesse feito uma Monalisa de tinta a óleo. Não!! Desenhou nas paredes do seu novo lar uma grande floresta, com tinta natural e malcheirosa. Só que ele exagerou no tamanho..rs. Foi então que descobri porque o leve rosado da face da minha mãe estava pink. Minha alegria se fora em um minuto, e o gordão ganhou um novo lar longe de mim. A partir daí pensei: acho que os animais devem viver em seu habitat natural, e de preferência, aqueles que têm patinhas almofadadas, bem longe de mim.
O tempo foi passando e eu, que sempre gostei de animais, me divertia brincando com os animaizinhos alheios. Meus tios já tiveram alguns papagaios. Um mais doido que o outro. Uns falavam palavrões, outros cantavam e dançavam. Que bonitinhos! Pássaros são muito fofos também.
Não obstante, também conheço muitas pessoas que engaiolam esses bichinhos. Está aí algo que não consigo entender. Coitados!!! Deus deu asas a eles para que pudessem voar. De que vale ter asas se só o que eles podem fazer é caminhar de um lado ao outro da gaiola? Penso que se fosse um pássaro, o céu seria o meu limite. E é claro que jamais gostaria de ficar andando de um lado para outro de uma minúscula jaula, migalhando a miserável atenção dos humanos. Ninguém deve fazer a outro ser o que não gostaria que fizessem consigo. Bem, em resumo, sempre tive isso em mente.
Certa vez, num dia desses qualquer, estava saindo para trabalhar quando me deparei, defronte à varanda de minha casa, com um filhote de passarinho morto. Coitadinho...
Eu estava com tanta pressa, e com horário para cumprir com meus compromissos que pensei, quando voltar, dou um jeito nele.
Cumprido o meu dever voltei para casa. Ao adentrar a varanda, deparei-me com outro filhote de passarinho morto e com a mãe deles também, morta. Fiquei assustada. Pensei: o filhote poderia até ter morrido por sua queda do telhado, mas a mãe não!! Ela devia saber voar. Chamei minha irmã e disse-lhe:
- Venha ver o que aconteceu por aqui!!
Ela ficou boquiaberta. Como ela é fisioterapeuta, faz pesquisas com animais de pequeno porte e tem mais coragem que eu também, pedi a ela que retirasse os passarinhos dali. Ela assim o fez, quando de repente, exclamou:
- Tem mais dois passarinhos aqui, venha ver!
Eu fui. Só que quando chegamos perto de um deles, deu até um nó na garganta. O filhotinho estava vivo e com uma asa e uma perna quebrada. Fiquei com o coração partido. Foi então que decidi pegar o pequenino e cuidar dele. Minha irmã disse que não adiantaria e que quando voltássemos ele provavelmente já estaria morto. Não acreditei. E como vida é vida, seja de pássaro ou não, fiz uma casinha pra ele com uma caixa de sapatos. Foi então que minha irmã, ainda um pouco relutante com as improváveis condições de resistência do bichinho, acomodou o passarinho em uma meia de algodão dentro da caixinha.
Para que vocês não estranhem, me acho pouco delicada e tive medo de machucar ainda mais o pequenino, por isso pedi a ela que fizesse isso, já que ela lida com animais de pequeno porte em suas pesquisas de campo na Pós-Graduação.
Estávamos indo ao supermercado, quando tomei outro rumo e ela me questionou:
- Aonde você vai, se o supermercado é do outro lado?
Então eu disse:
- Vou comprar uma seringa para alimentar o passarinho e é você que vai fazer isso.
Ela não acreditava muito que fosse dar certo, mas me acompanhou.
De volta à nossa casa, nos deparamos com o Tutu que estava lá, quietinho envolto na meia, como a nos esperar.
Ela fez um preparado de fubá para alimentar o bichinho. Ele chorava tanto de dor, que resolvemos dar uma gotinha de remédio para aliviar o seu sofrimento. Ele melhorou, tanto que depois disso conseguiu ingerir o delicioso “suco” de fubá que preparamos pra ele; tomou água, também. Como tudo ia bem, decidi adotar o passarinho. E pensei, vou procurar um veterinário para ver o que é possível fazer para melhorar as condições dele.
Comecei a pesquisar e não encontrei nada animador. Enquanto isso minha irmã o alimentava. Resolvemos batizá-lo de Fred, nosso novo amiguinho. Levantei para trabalhar no dia seguinte, tentei alimentar o Tutuzinho, forma carinhosa como eu o chamava, quando suas bochechinhas inflaram, minha nossa!! Pedi muitas desculpas a ele e achei melhor deixar essa tarefa para as delicadas mãos da minha irmã. Voltei do trabalho e o Tutu estava lá, tão feliz que erguia a cabeça e piava alegremente. Até o dia seguinte.
Naquela manhã ele mostrou-se inerte. Então percebi que ele estava tristinho. Fiquei preocupada. Fui trabalhar. Mais tarde liguei para minha irmã e ela disse que achava que ele estava morrendo. Naquele momento, sentia como se uma laranja estivesse entalada na minha garganta, sufocando-me. Comecei a chorar. Me controlei, até porque estava no meu local de trabalho, e tentava de toda forma distrair minha mente até chegar a hora de voltar pra casa. Encontrei o Fred. Ele pareceu feliz em me ver. Após o almoço, cuidei da louça e coloquei o Tutu bem pertinho de mim. Ele acompanhou toda aquela arrumação.
Eu tinha consulta agendada em dois médicos naquele dia. Fui com o coração partido. Quando voltei, olhei pra caixinha e senti um vazio: o Tutu não estava lá, mas nas mãos da minha irmã que o acariciava delicadamente. Entretanto ela também tinha compromisso, então, depois de quase quatro horas fora de casa, quando voltei, foi ela que saiu. Minhas lágrimas não se contiveram. Minha irmã me disse que ele não comia mais, nem tomava água. Já estava fraquinho na sua parca vidinha de pássaro. Eu chorava tanto que temi até afogá-lo sob minhas lágrimas. Com alguma coragem, eu o tirei da caixinha e fiquei alisando-o com uma tristeza sem igual. Foi então que falando com ele, ele fechou seus olhinhos e foi para o céu dos pássaros. Meu mundo desabou naquele momento, principalmente porque depois de quase quatro horas fora de casa, parece até que ele tinha me esperado pra morrer em minhas mãos. Liguei para o meu pai e mal conseguia falar com ele, de tanto que eu ainda chorava. Fazer o que com o Fred agora?
Minha irmã voltou pra casa e eu disse a ela que ele tinha partido. Como não poderia ser diferente, ela pediu que eu o levasse para fora, e desse adeus a ele. Não consegui. Estava chovendo. Era o primeiro dia que faria ginástica na academia que fora inaugurada perto da minha casa. Cheguei lá com a face tão inchada que de certa forma até assustei professores e alunos. Um deles me perguntou se tinha acontecido algo e eu respondi parte com palavras e parte com lágrimas. Enquanto treinava idealizei um funeral para o Tutu. Eu o guardei perto do meu carro para no dia seguinte procurar um lugar para enterrá-lo. Naquela manhã acordei mais cedo que o normal e segui procurando um local para o bichinho descansar. Então ponderei: o que as pessoas pensariam se passassem pela rua e vissem uma moça de terno e sapatos de salto cavando um buraco no chão??!!
É! Porque até que vissem que o buraco não se tratava de uma cova, mas de um buraquinho, muita suspeita poderia ser levantada. Foi então que munida de uma tampa de requeijão comecei a cavar ao lado de uma árvore perto do escritório onde trabalhava. Cavei a uma profundidade que nenhum gato xereta pudesse atrapalhar o descanso do Tutu.  Passou um carro na rua, lentamente, e aí fingi que não era nada. Abri a caixinha, peguei o Tutu, disse-lhe adeus e o coloquei em sua nova morada. Cobri com terra e o deixei lá. Fiquei com medo de que os gatos da vizinhança o descobrissem. Mas não descobriram.
Vocês podem rir, até acharem que sou o exagero em pessoa por ter feito isso por um simples passarinho moribundo e outros, podem até se emocionar. Nada disso me abala. Só penso que todos deveriam fazer o mesmo, afinal:
- E se fosse você no lugar dele?
- O que você gostaria que fizessem? Gostaria de ficar ao relento no frio, sozinho até encontrar o próprio fim, ou ser encontrado por mãos humanas que lhe dessem aconchego, comida, água e carinho?
Não importa que ele só tenha ficado conosco pouco mais de dois dias. O que importa é que se tratava de uma vida, de pássaro, mas uma vida. Afinal, se um dia estiver frente a Deus e ele me perguntar:
- O que você fez com o filhote de passarinho que mandei pra você cuidar??
Embora Ele já sabendo a resposta, responderei tranquilamente:
- Eu cuidei Senhor, eu cuidei!!



2 comments:

  1. Sensível e lindo! Gostei imensamente! Vida é vida, não importa se humana ou animal! Beijos

    ReplyDelete
  2. ja tive essa experiencia minha linda, mas eles morrem, acho que falta algo mais que a papinha de fuba... vc e linda por dentro e por fora... viajo nos seus textos e na poesia...

    ReplyDelete